A revisão proposta do Código do IVA gerou receios generalizados entre utilizadores de carteira móvel, mas uma leitura detalhada da documentação oficial revela que as transferências, depósitos e pagamentos via dinheiro móvel continuam isentas de IVA. A Mozinfoeric analisou a proposta de Lei, o comunicado oficial e ouviu especialistas em finanças e regulação. O veredicto: o pânico não tem base legal.
Segundo o documento, as operações de carteira móvel continuam classificadas como serviços financeiros, tal como as operações bancárias tradicionais, e permanecem sujeitas apenas ao Imposto do Selo, já aplicado hoje. O IVA não recai sobre a movimentação de dinheiro.
O que muda afinal: imposto para bens e serviços digitais
A alteração fiscal tem outro foco. O Governo quer tributar de forma explícita os bens e serviços digitais, incluindo:
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Plataformas de streaming
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Software por subscrição
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Serviços de cloud
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Intermediação digital
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Conteúdos digitais pagos
Com a revisão, estes serviços passam a integrar claramente o universo de incidência do IVA. Segundo a proposta, o objectivo é “estabelecer um tratamento fiscal igualitário entre operações realizadas electronicamente e fisicamente”.
Em resumo:
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Transferências por carteira móvel → continuam isentas
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Séries, apps, software e conteúdos digitais → podem pagar IVA
Moçambique é hoje um país de carteiras digitais
O nervosismo público tem contexto. Nos últimos anos, Moçambique assistiu a uma transformação silenciosa: o telemóvel tornou-se a porta de entrada para o sistema financeiro.
Dados do Banco de Moçambique mostram que o número de contas de dinheiro electrónico saltou de 11,9 milhões em Dezembro de 2022 para 23 milhões em Junho de 2025 — quase o dobro em dois anos e meio.
A densidade é ainda mais expressiva: 118 contas de mobile money por cada 100 adultos, o que significa que muitas pessoas utilizam mais do que uma carteira digital. Um estudo recente revela ainda que, em 2024, 46% dos adultos tinham conta de dinheiro móvel activa, contra apenas 25% com conta bancária.
No terreno, o boato espalhou-se rápido
Ronaldo Tamele, vendedor de recargas na baixa de Maputo, diz ter ouvido a preocupação antes de qualquer esclarecimento oficial.
“Perguntaram-me logo: ‘se começar a ter imposto, voltamos a usar só dinheiro, né?’”
Para ele, a carteira móvel trouxe segurança e organização financeira.
“Hoje quase tudo entra por telemóvel. Se encarecer, vai doer.”
Memória regional alimenta o receio
A inquietação moçambicana não é apenas emocional — é também histórica.
O caso do Quénia
O M-Pesa levou o Governo queniano a aumentar impostos sobre comissões de mobile money. Embora as estatísticas globais não mostrem um colapso, estudos indicam que muitos utilizadores reduziram a frequência de envios, sobretudo entre familiares.
A lição da Tanzânia
Em 2021, o país introduziu um “levy” adicional sobre transacções de mobile money.
O resultado foi imediato:
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Queda de 21% a 38% no número de transacções
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Redução superior a 20% no valor movimentado
Muitos regressaram ao numerário. A medida foi posteriormente revertida.
Um economista moçambicano resume:
“Quando se mexe na tarifa por transacção, mexe-se no coração do sistema.”
Ao optar por tributar conteúdos digitais, e não transferências, Moçambique parece evitar repetir erros vizinhos.
| Tipo de taxa | Percentagem | Descrição |
|---|---|---|
| Taxa normal | 16% | Aplicada à maioria dos bens e serviços. |
| Taxa zero (0%) | 0% | Exportações e algumas operações específicas. |
| Isenções | Sem IVA | Operações financeiras, educativas, de saúde, agrícolas específicas, entre outras. |
Onde nasce a confusão
Para o cidadão comum, a distinção entre serviço digital e serviço financeiro pode parecer académica. Mas, na prática, é crucial:
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Transferir dinheiro é meio, não produto
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O IVA incide sobre o bem ou serviço consumido, não sobre o canal de pagamento
Um jurista envolvido na revisão explica:
“Se algo já pagaria IVA no mundo físico, não deve escapar só por ser entregue pela internet. As transferências continuam a ser serviço financeiro, não mercadoria.”
O desafio da confiança pública
A expansão da banca móvel ocorreu num período de oscilação de confiança nas instituições. Muitos aderiram às carteiras digitais apesar do Estado, não por causa dele.
Agora, o mesmo Estado quer tributar parte da vida digital dos cidadãos.
A literacia financeira permanece limitada. Muitos utilizadores não distinguem entre:
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Imposto
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Comissão do operador
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Taxa cambial
Foi nesse vazio que o boato ganhou força.
O que realmente fica
Com a poeira a assentar, a reforma fiscal será avaliada por duas perguntas:
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O Estado vai conseguir tributar serviços digitais sem prejudicar a inclusão financeira?
Tudo indica que sim, caso a separação entre conteúdos digitais e serviços financeiros seja mantida. -
O cidadão foi informado com clareza?
Os boatos mostram que mudanças envolvendo o termo “digital” precisam de comunicação rápida e acessível.
Por agora, o essencial é claro:
As carteiras móveis não pagarão IVA pelas transferências.
O imposto incidirá sobretudo sobre plataformas, conteúdos e aplicações digitais — o novo palco fiscal da economia moderna.

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