A Sombra de Aboud Rogo: como um pregador queniano continua a influenciar jovens no Leste Africano

Mais de uma década após a sua morte, o nome de Aboud Rogo Mohammed continua a gerar polémica. Para uns, ele é lembrado como mártir do Islão, supostamente assassinado por forças de segurança quenianas com apoio externo. Para outros, foi um ideólogo radical que ajudou a moldar redes ligadas ao Al-Shabaab na Somália e no Quénia.

Durante esta investigação, o Integrity Magazine percorreu as vielas de Majengo, em Mombaça, onde habitantes guardam memórias contraditórias sobre o clérigo. Alguns descrevem Rogo como um pregador carismático, dedicado à fé; outros recordam como o seu discurso teria servido de porta de entrada para a radicalização de jovens vulneráveis.

“Ele foi um verdadeiro mártir. Nunca fez mal ao nosso povo. Apenas queriam silenciar a sua voz,” relata um morador de 54 anos, que aponta para o local onde Rogo costumava discursar.

Mas a versão contrária também persiste. Jovens quenianos que afirmam ter abandonado o extremismo descrevem as pregações da Masjid Musa como um canal de recrutamento, onde mensagens religiosas eram usadas para justificar a violência.

“As pregações não eram apenas sermões. Ele incentivava o extremismo. Muitos de nós fomos recrutados assim,” afirmou um ex-seguidor, que diz ter sido enviado para a Somália.

De Mombaça a Cabo Delgado: um eco transfronteiriço

Em Moçambique, a província de Cabo Delgado vive desde 2017 ataques protagonizados por grupos armados. Investigações locais indicam que muitos jovens recrutados na região tiveram contacto, mesmo que indirecto, com as ideias disseminadas por Rogo – através de gravações, redes religiosas informais e ligações no litoral do Quénia.

Apesar disso, a maioria dos moradores de Mombaça mostra-se céptica quando informada sobre a violência no norte de Moçambique.

“Sabemos da Somália, mas não imaginávamos Moçambique ligado a isso. Alguns moçambicanos passam aqui, mas seguem logo para o Congo. Têm dinheiro, não parecem envolvidos com extremismo,” disse um comerciante local.

Este distanciamento mostra o quanto a ligação entre Quénia e Moçambique é desconhecida para quem vive na costa queniana — apesar dos fluxos migratórios que ligam as duas regiões.

Tráfico de pessoas e migração irregular

Autoridades e moradores de Mombaça confirmam que jovens moçambicanos têm chegado ao Quénia em situação irregular. Muitos permanecem pouco tempo e seguem para a República Democrática do Congo, alegadamente em busca de trabalho ou estudos religiosos. Contudo, parte deles acaba exposta a redes que se aproveitam da vulnerabilidade e do desemprego.

Essa rota — Moçambique → Quénia → RDC — aparece recorrentemente em investigações internacionais sobre recrutamento transfronteiriço.

Um legado controverso que atravessou fronteiras

Mesmo após a sua morte, em 2012, Rogo permanece como uma figura complexa: visionário para alguns, radicalizador para outros. O alcance das suas mensagens demonstra como discursos ideológicos podem ultrapassar fronteiras e influenciar realidades distantes, como Cabo Delgado.

Ao mesmo tempo, o contraste entre a percepção queniana e a realidade moçambicana expõe um risco: a subestimação de redes regionais envolvidas em violência armada.

Linha do Tempo: A influência de Aboud Rogo

1968: Nasce na ilha de Siyu, Quénia
1989: Estabelece-se em Majengo e inicia pregações
Anos 1990: Ganha influência e seguidores
2000–2010: Mensagens passam a incluir referências extremistas
2008–2010: Jovens de Cabo Delgado têm primeiro contacto indirecto com as suas ideias
2011–2016: Expansão da doutrinação e exposição de jovens da região
2012 (27 de Agosto): É morto em Mombasa
2017–2025: Ideias continuam a circular entre jovens em Cabo Delgado e regiões vizinhas

Por que a guerra em Cabo Delgado não é religiosa?

Fontes moçambicanas ouvidas pela reportagem insistem que, embora a religião seja usada como ferramenta de recrutamento, não é o factor central da guerra.

“O Islão não tem nada a ver com esta violência. Jovens foram usados por pessoas com dinheiro. A religião serve como capa,” disse um morador local.

Esta visão é partilhada por líderes e analistas moçambicanos, que apontam para interesses económicos na região — especialmente em zonas de gás, grafite, madeira e rubis.

Vozes da Tanzânia: quando o conflito atravessa o Rovuma

Na Tanzânia, a guerra já afecta o comércio, a mobilidade e o quotidiano das comunidades fronteiriças.

Asha Mtelela, comerciante de Mtwara

Antes da insurgência, viajava semanalmente para Palma e Mocímboa da Praia para vender arroz e capulanas. Hoje, perdeu clientes e teme atravessar a fronteira.

“Os dois governos deviam trabalhar juntos para acabar com isto. Todos sabemos que há interesses escondidos. Os jovens foram pagos para tirar as pessoas das zonas ricas,” afirmou.

Hassan Omari, motorista em Pwani

Ele conta que jovens tanzanianos têm sido enganados com promessas de dinheiro fácil.

“Aproveitam o desemprego e manipulam os meninos. Quando cruzam a fronteira, já vão preparados para matar. As pregações de Rogo eram usadas para lavar a mente, mas os verdadeiros donos desta guerra estão em Moçambique,” disse.

Ambos destacam que o terrorismo em Cabo Delgado se tornou um problema regional, afectando comércio, segurança e confiança entre as comunidades do norte de Moçambique e sul da Tanzânia.


Postar um comentário