A Europa vive hoje uma tensão estrutural. Precisa de gás para enfrentar o seu próprio “Inverno político” no pós-Ucrânia, mas convive com forças internas que rejeitam o financiamento de novos projectos fósseis no Sul Global. É nessa contradição europeia que Moçambique surge — não por ter cometido um erro específico, mas por estar no epicentro de uma disputa global no momento decisivo.
A retoma do projecto Mozambique LNG pela TotalEnergies ocorre numa altura em que a União Europeia procura diversificar fornecedores para reduzir dependências geopolíticas. Porém, cada movimento de diversificação tem custos internos. ONGs, plataformas climáticas e sectores ambientalistas no Parlamento Europeu encaram qualquer mega-projecto africano como uma ameaça à narrativa da transição energética. Como não podem atacar directamente a necessidade estratégica do gás, procuram um alvo politicamente mais acessível: alegações de direitos humanos, mesmo quando desprovidas de base factual.
Moçambique converte-se, assim, num palco de batalha para agendas internacionais que pouco dialogam com a realidade local. O país é apresentado como epicentro de um suposto escândalo que nunca se materializou, mas que serve para reforçar discursos políticos dentro da Europa. Não é coincidência que uma queixa judicial em Paris tenha surgido exactamente na semana em que a TotalEnergies levantou a força maior e o Governo moçambicano aprovou o decreto de reentrada. O timing também é mensagem.
No centro desta tempestade encontram-se dois actores apanhados numa colisão de narrativas que ultrapassam fronteiras: o Estado moçambicano e a própria TotalEnergies. A acusação funciona como instrumento para criar hesitação nos investimentos, travar fluxos financeiros e introduzir incerteza no ambiente de negócios — tudo num país que ainda recupera de uma década marcada pela insurgência, pela pandemia e por choques económicos globais.
O maior risco para Moçambique não reside na acusação em si — frágil, reciclada e sem provas —, mas no impacto que ela tem sobre a percepção internacional. Num mercado energético altamente competitivo, a percepção vale tanto quanto os contratos. Um país que perde a narrativa perde também margem de manobra na sua diplomacia económica.
A resposta moçambicana deve ir além da negação pontual de uma queixa. Requer uma estratégia robusta de comunicação internacional, defesa da memória institucional e reposicionamento da diplomacia económica. A disputa principal já não está apenas no terreno de Cabo Delgado: está, sobretudo, nos espaços simbólicos onde se constrói a opinião pública global.
Moçambique tem diante de si uma oportunidade histórica com os seus mega-projectos de LNG — e, simultaneamente, um desafio crítico: proteger-se de narrativas externas que procuram fragilizá-lo precisamente quando o país está mais próximo de alcançar crescimento económico significativo. Não basta reagir; é preciso antecipar. Porque, num mundo em que os factos cedem lugar à política da percepção, quem não controla a sua narrativa arrisca-se a vê-la escrita por outros.

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