O analista político John Kanumbo defende que a crise recente na Guiné-Bissau não pode ser classificada como golpe de Estado nem auto-golpe, mas antes como a expressão mais profunda de um “vácuo político histórico” que o país nunca conseguiu resolver. Para o autor, a ausência de legitimidade institucional e a fragilidade das estruturas do Estado explicam por que razão nenhum dos actores envolvidos assume claramente a tomada do poder.
Segundo Kanumbo, a narrativa dominante — dividida entre acusações de golpe militar, auto-golpe presidencial ou ruptura constitucional — não resiste à análise factual. “Como chamar de golpe algo em que ninguém reivindica o poder?”, questiona. Também rejeita a tese de auto-golpe, argumentando que o suposto beneficiário não só foi apresentado como detido, como surgiram relatos contraditórios sobre a sua deslocação para o Senegal ou Congo.
Para o analista, a situação política guineense estava marcada por instituições sem mandato, um parlamento inactivo, um presidente cujo mandato já havia expirado e um processo eleitoral contestado desde o início. “Se ninguém exercia plenamente um poder legítimo, como se fala em derrube de quem já não governava?”, argumenta.
Kanumbo considera que o que ocorreu foi apenas mais um episódio da dinâmica política guineense, marcada por “confusão organizada, silêncio estratégico e disputas internas de elites”, num ambiente em que a legalidade constitucional já não servia de referência prática.
O autor critica também a rapidez com que observadores internos e externos tentaram encaixar os acontecimentos em categorias tradicionais: golpe militar, auto-golpe ou ruptura constitucional. No entanto, segundo explica, nenhuma destas categorias se aplica porque as Forças Armadas não assumiram formalmente o poder, não foi apresentada uma junta, não houve proclamação de novo governo e nenhuma facção reivindicou vitória ou controlo.Para Kanumbo, o país encontra-se num estado de “suspensão institucional”, em que todas as partes se movem sem hierarquia clara e sem confiança nas instituições. “Quando todos são simultaneamente vítimas e culpados, o resultado é esta paralisia estranha”, escreve.
A análise conclui que o que se viu na Guiné-Bissau não foi a queda de um governo, mas sim a visibilidade abrupta do colapso institucional que já existia há anos. “A Guiné-Bissau não caiu agora — apenas caiu à vista”, afirma

Postar um comentário
Postar um comentário