Auditoria revela irregularidades na gestão da via Beira–Machipanda, construída com dívida chinesa, e aponta falta de estudos de viabilidade em outros projectos financiados por fundos externos

A Rede Viária de Moçambique (REVIMO, SA), concessionária da Estrada Circular de Maputo, da Ponte Maputo–KaTembe e das respectivas vias de ligação, está a falhar na missão de garantir a manutenção periódica da Estrada Nacional N.º 6 (Beira–Machipanda) — uma das infra-estruturas erguidas com recurso à dívida chinesa.
A denúncia consta do Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2024, elaborado pelo Tribunal Administrativo (TA) e recentemente submetido à Assembleia da República.


Irregularidades e degradação visível na N6

O documento do TA indica que, apesar do contrato de concessão de 287 quilómetros da N6, aprovado pelo Decreto n.º 93/2019, de 17 de Dezembro, a REVIMO não tem cumprido o compromisso de assegurar a manutenção regular da via.

“Foram detectadas diversas irregularidades ao longo da estrada, incluindo erosão do solo, buracos, degradação da berma e abaulamento do pavimento”, refere o relatório.

A auditoria alerta para níveis preocupantes de erosão em alguns troços, colocando em risco a integridade da faixa de rodagem e comprometendo a durabilidade da obra. O Tribunal observa ainda patologias estruturais que revelam falhas na conservação e fiscalização da estrada.


Problemas também na Circular e nas estradas de ligação

As deficiências apontadas à N6 repetem-se na Estrada Circular de Maputo e nas vias KaTembe–Ponta D’Ouro e Boane–Bela Vista, igualmente sob gestão da REVIMO.
Segundo o relatório, o desgaste do pavimento, a ausência de iluminação em certos troços e a falta de sinalização horizontal são sinais claros de negligência na manutenção dessas infra-estruturas estratégicas para a mobilidade da região sul.


Obra financiada pela dívida chinesa

A reabilitação da N6, que liga a cidade da Beira à fronteira de Machipanda, foi financiada através de um empréstimo de 450 milhões de dólares do EXIM Bank da China.
A execução da obra coube ao Grupo China Anhui Foreign Economic Construction, numa intervenção que, segundo o TA, careceu de estudos de viabilidade económica e de garantias adequadas quanto ao retorno do investimento.

O Tribunal nota que várias obras financiadas com fundos externos apresentam deficiências construtivas, abandono de empreendimentos e fraca qualidade dos materiais, factores que afectam a eficiência e a economicidade da dívida pública.


Dividendos, taxas e discrepâncias financeiras

O relatório do TA aponta ainda incongruências na gestão financeira da REVIMO.
Entre 2020 e 2024, a empresa canalizou ao Estado 531,1 milhões de meticais provenientes da taxa de concessão, mas em 2024 pagou apenas 124,1 milhões dos 162,1 milhões previstos, registando um défice de 38 milhões de meticais.

O montante pago diverge dos 165 milhões reportados no Anexo A da Conta Geral do Estado, o que, segundo o Tribunal, viola o artigo 49 da Lei do SISTAFE, que exige clareza e exactidão na elaboração da CGE.

Além disso, os accionistas da REVIMO — Fundo de Estradas, INSS e Kuhanha (Gestora do Fundo de Pensões do Banco de Moçambique) — decidiram adiar para 2025 e 2026 o pagamento de 44,2 milhões de meticais em dividendos referentes a 2023, alegando necessidades de investimento.


                            Concessão polémica e questionamentos antigos

A REVIMO foi criada em Setembro de 2018, e apenas 15 meses depois recebeu, do Governo de Filipe Nyusi, a concessão da gestão de várias infra-estruturas estratégicas, num processo marcado por controvérsia.
Em 2020, a empresa iniciou a cobrança de portagens na N6 e, em Fevereiro de 2022, estendeu o modelo à Circular de Maputo — uma decisão judicialmente contestada pela sociedade civil, mas validada pelo próprio Tribunal Administrativo em tempo recorde.


Hospitais financiados por dívida externa também sob críticas

O Tribunal Administrativo estendeu a análise a outros projectos públicos financiados por fundos externos, identificando falta de estudos de viabilidade e deficiências graves na execução.

No Hospital Central de Quelimane, por exemplo, foram detectadas fissuras nas betonilhas, desgaste dos corredores e elevadores inoperacionais, comprometendo o transporte de doentes.
Já nos Hospitais Geral da Beira e Distrital de Marromeu, com um orçamento conjunto de 27,2 milhões de euros, 84,5% dos fundos foram gastos apenas na construção do Hospital da Beira, deixando grande parte das infra-estruturas por concluir.

“Dos nove blocos previstos, apenas dois estão em funcionamento — consultas externas e maternidade —, enquanto os restantes aguardam equipamentos e correcção de falhas de execução”, aponta o relatório.


Tribunal alerta para riscos na dívida pública

O Tribunal conclui que a ausência de estudos de viabilidade rigorosos e falhas na execução e fiscalização das obras públicas aumentam o risco de endividamento sem retorno económico.

“As dívidas contraídas para a construção e reabilitação de estradas podem apresentar riscos elevados de retorno, se não forem resolvidos os problemas de execução, fiscalização e sustentabilidade”, adverte o relatório.

Com este diagnóstico, o TA lança um alerta sobre a fragilidade na gestão das infra-estruturas públicas financiadas pela dívida externa, apontando a necessidade urgente de reformas na governação de parcerias público-privadas e maior responsabilização das concessionárias.