Júlio Manguele (nome fictício) é docente, cresceu na cidade de Maputo e nasceu cinco anos antes da proclamação da independência. Para ele, meio século depois da independência, “continuamos a viver uma independência dependente”.
“Etimologicamente, independência pode ser sinónimo de liberdade, emancipação, mas, pelo rumo que o país tem tomado ao longo destes 50 anos, parece que estamos a caminho da servidão. A partir do momento em que, em meio século, o condutor ou guia do país continua a ser o mesmo, é óbvio que não se podem assinalar mudanças substanciais nesse período”, destacou.
Falando à “Carta” durante a cerimónia de celebração dos 50 anos da independência, no Estádio da Machava, Manguele afirmou que Moçambique precisa de difundir e implementar plenamente as políticas neo-liberais, pois, estas pressupõem o afastamento do Estado da economia e a eliminação do Estado provedor. No entanto, nota-se, em alguns sectores, como na educação, que continua a defender-se o ensino gratuito, mas sempre que não se paga algo, há um preço oculto que o cidadão é forçado a suportar: a qualidade.“Então, olhando de 1975 até praticamente finais da década de 1990, acho que o sector da educação, considerado chave, evoluiu sobremaneira. Hoje, no século XXI, a educação, em países desenvolvidos, continua a ser central. Portanto, passados 50 anos, precisamos de repensar a nossa educação, para que não sejamos penalizados nos próximos 50 anos. Estes 50 anos são desafiantes, pois enfrentamos problemas que podem ser ultrapassados, sobretudo porque o país é rico em recursos que, entretanto, não estão a beneficiar a maioria”, referiu.
Já Júlio Cumbane, residente no bairro da Machava, que se deslocou ao Estádio da Machava com as suas duas filhas de oito e 13 anos de idade, respectivamente, disse que ainda não se pode falar de uma independência total e completa, se a cada dia estamos a entregar o país nas mãos dos chineses, que vêm explorar os nossos irmãos.
“É triste e lamentável quando todos os dias acompanhamos na televisão que as nossas irmãs são exploradas por chineses, com promessas de emprego e, no fim do dia, são sacrificadas e obrigadas a fazer além do que está previsto no contrato. E esse mesmo chinês consegue comprar a nossa polícia com míseras moedas e esta nada faz. Como dizer que somos independentes num país onde o nosso Governo não consegue prover emprego para o seu povo? Ainda não há independência nesse sentido”, lamentou Cumbane.
Por outro lado, Laura Rosa Muianga (nome fictício), enfermeira de Saúde Materno-Infantil num dos centros de saúde da província de Maputo, disse que Moçambique celebra os 50 anos com uma dependência económica. “Se não vier o americano ou o português investir no nosso país, a economia moçambicana não cresce”.
Muianga questionou ainda: “Se Moçambique fosse independente, teríamos as nossas irmãs todos os dias a fazerem fila na fronteira de Ressano Garcia só para trazer cebola, pipoca, óleo? Até o arroz que consumimos precisamos do vietnamita para nos fornecer. Será que temos motivos para dizer ‘viva a independência’?”
“Para que possamos alcançar a tão propalada independência, precisamos de nos vermos independentes da própria FRELIMO, que continua a governar-nos como colono. Este partido está a governar-nos à força e torna-nos cada vez mais dependentes dele. Não há independência para fazermos as nossas escolhas, não há independência para ir à rua manifestar, não há independência para termos as melhores escolas e hospitais. Até quando seremos dependentes?”
Em conversa com João Elias, de 60 anos de idade e residente do bairro Infulene, que também se encontrava no Estádio da Machava, explicou que saiu da sua residência por volta das 06h00 para conseguir transporte público antes que a situação nas estradas se complicasse. Decidiu assistir à celebração dos 50 anos da independência e reviver a alegria de voltar ao local onde esteve com o seu pai há cinco décadas.
Para Elias, Moçambique mudou em muitos aspectos. O país já conta com escolas, universidades e muitas instituições que foram construídas após a independência — mas ainda há muito por melhorar.
“A primeira coisa que devemos melhorar é o patriotismo. O sentimento de pertença, de ser patriota, deve ser a prioridade neste momento. Depois vêm as outras coisas, porque sem compreendermos o patriotismo, dificilmente as coisas vão melhorar. No nosso país, há muitas mentes confusas: criticamos muito e contribuímos pouco. Passados 50 anos, continuamos a viver de aparências”.
Outro entrevistado, Raul Vicente Matlombe, residente na Manhiça e funcionário de uma das instituições do Governo, disse que, com a celebração dos 50 anos da independência, à primeira vista é bonito saber disso, mas questiona: em termos sócio-económicos, será que o país progrediu ou regrediu?
“Para mim, em vez de celebrarmos as bodas de ouro de uma independência inexistente, devemos usar este momento para que cada moçambicano faça uma reflexão profunda sobre a situação que vivemos actualmente. A maioria dos funcionários públicos vive com um profundo descontentamento pela forma diabólica como o país é governado”, disse.
Por fim, “Carta” ouviu o sentimento de uma cidadã que se identificou apenas por Marcelina. Mulher de poucas palavras e com o rosto marcado pelas rugas, ela declarou que, meio século após a independência, prefere não mentir:
“Vamos evitar estar aqui a mentir e a falar coisas sem sentido. Passados 50 anos, temos mais hospitais e mais escolas, mas isso não justifica que os nossos filhos e netos continuem a estudar debaixo de árvores, num país onde vêm chineses e americanos explorar carvão, gás e até rubis. O que fazem essas pessoas por nós, para melhorar a vida dos moçambicanos? Não se justifica que uma mulher tenha de colocar 100 meticais na ponta da capulana para ter um parto seguro e tranquilo. Isso significa que ainda somos dependentes — dependentes do negro como nós, dos nossos próprios irmãos, dos nossos dirigentes. Expulsamos o colono, mas colonizamo-nos uns aos outros. Em 50 anos de independência, nem sequer podemos expressar as nossas ideias livremente. Não temos liberdade de escolha, temos limitações para exercer os nossos direitos”, realçou.
Postar um comentário
Postar um comentário