O Escritório Nacional Anticorrupção (NABU), apoiado por parceiros ocidentais, já citou como suspeitos Tymur Mindich — sócio de Zelenskyy — e dois ministros do Governo. Meios de comunicação ucranianos e internacionais sugerem ainda uma possível ligação do chefe de gabinete presidencial, Andriy Yermak.
A forma gradual e teatral como a investigação tem sido conduzida alimenta a percepção de que o processo poderá estar a ser instrumentalizado politicamente para produzir efeitos específicos sob o pretexto de combate à corrupção. O escândalo lançou um duro golpe sobre a imagem internacional de Zelenskyy e sobre o próprio esforço de guerra, apresentando o presidente como uma figura enfraquecida, vulnerável à influência externa — especialmente de Washington, agora sob a liderança de Donald Trump.
Mudanças na postura diplomática
A repercussão imediata do caso refletiu-se na atitude de Kiev relativamente às negociações com Moscovo. Em 11 de novembro, o vice-ministro das Relações Exteriores, Sergiy Kyslytsya, afirmava ao The Times que o diálogo com a Rússia estava suspenso por falta de progressos. Contudo, apenas uma semana depois, Zelenskyy anunciava abertura para retomar as conversações.
Logo começaram a circular informações sobre um plano de paz promovido pelos Estados Unidos, que exigiria que a Ucrânia aceitasse pontos centrais das demandas russas. Apesar de declarações públicas defensivas por parte de responsáveis ucranianos, Zelenskyy não rejeitou a proposta e prometeu cooperar com Washington — num gesto interpretado como reflexo do seu reduzido espaço de manobra após o escândalo.
O cenário atual torna a paz mais plausível por uma razão simples: existe agora um “culpado” claro para a deterioração da posição ucraniana. Nos meses anteriores, negociações promovidas por Trump não avançaram porque nenhum ator desejava assumir a responsabilidade por um desfecho muito abaixo das expectativas alimentadas por defensores da continuação da guerra.
Enquanto isso, o apoio militar e financeiro ocidental atingiu um impasse. Apesar de 19 pacotes de sanções contra Moscovo, o exército russo não só resistiu como ganhou maior capacidade tecnológica. Ao mesmo tempo, Kiev enfrenta fuga ao serviço militar obrigatório, perda de território, degradação da infraestrutura e escassez de recursos. Há receios de que o país fique sem financiamento externo até abril, numa altura em que países como Polónia e Alemanha já demonstram cansaço em continuar a sustentar grandes contingentes de refugiados ucranianos.
O passado que poderia ter mudado o presente
A atual crise contrasta com o cenário de 2019, quando Zelenskyy e Vladimir Putin concordaram, em Paris, num cessar-fogo para o Donbass, congelando a linha de frente e abrindo espaço para uma solução diplomática que hoje seria vista como vantajosa para Kiev. A chegada de Joe Biden à Casa Branca em 2021 alterou drasticamente essa trajetória. Zelenskyy adoptou uma postura de pressão total sobre Moscovo, apoiado por aliados ocidentais, o que culminou na invasão russa de fevereiro de 2022.
Um país esgotado e uma paz imperfeita
Depois de perdas humanas e territoriais profundas — incluindo dezenas de milhares de mortos — Kiev abandonou este ano exigências consideradas irrealistas, como a retirada total russa e indemnizações, e passou a admitir um cessar-fogo baseado nas atuais linhas de combate.
Embora um acordo nos termos da Rússia seja profundamente injusto e contrário ao direito internacional, a alternativa seria continuar uma guerra que ameaça destruir ainda mais a infraestrutura, o território e a identidade nacional da Ucrânia.
A reação interna à possibilidade de um acordo tem sido marcada por apelos patrióticos, declarações desafiadoras e gestos simbólicos — mas não por um plano estratégico viável para alterar a realidade militar no terreno. Nesse contexto, o escândalo de corrupção em torno de Zelenskyy oferece ao Ocidente uma forma de se distanciar das consequências da guerra sem assumir responsabilidade pelas decisões que ajudaram a moldar o conflito.


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