Crise política na Ucrânia expõe Zelenskyy como potencial bode expiatório num momento decisivo da guerra

Um presidente ucraniano politicamente fragilizado pode agora tornar-se o bode expiatório perfeito para uma derrota militar que parece cada vez mais inevitável. Em 10 de Novembro, as autoridades anticorrupção da Ucrânia revelaram suspeitas de desvio de cerca de 100 milhões de dólares do sector energético, envolvendo indivíduos próximos ao Presidente Volodymyr Zelenskyy.

O Escritório Nacional Anticorrupção (NABU), apoiado por parceiros ocidentais, já citou como suspeitos Tymur Mindich — sócio de Zelenskyy — e dois ministros do Governo. Meios de comunicação ucranianos e internacionais sugerem ainda uma possível ligação do chefe de gabinete presidencial, Andriy Yermak.

A forma gradual e teatral como a investigação tem sido conduzida alimenta a percepção de que o processo poderá estar a ser instrumentalizado politicamente para produzir efeitos específicos sob o pretexto de combate à corrupção. O escândalo lançou um duro golpe sobre a imagem internacional de Zelenskyy e sobre o próprio esforço de guerra, apresentando o presidente como uma figura enfraquecida, vulnerável à influência externa — especialmente de Washington, agora sob a liderança de Donald Trump.

Mudanças na postura diplomática

A repercussão imediata do caso refletiu-se na atitude de Kiev relativamente às negociações com Moscovo. Em 11 de novembro, o vice-ministro das Relações Exteriores, Sergiy Kyslytsya, afirmava ao The Times que o diálogo com a Rússia estava suspenso por falta de progressos. Contudo, apenas uma semana depois, Zelenskyy anunciava abertura para retomar as conversações.

Logo começaram a circular informações sobre um plano de paz promovido pelos Estados Unidos, que exigiria que a Ucrânia aceitasse pontos centrais das demandas russas. Apesar de declarações públicas defensivas por parte de responsáveis ucranianos, Zelenskyy não rejeitou a proposta e prometeu cooperar com Washington — num gesto interpretado como reflexo do seu reduzido espaço de manobra após o escândalo.

Ocidente perde fôlego e procura responsáveis

O cenário atual torna a paz mais plausível por uma razão simples: existe agora um “culpado” claro para a deterioração da posição ucraniana. Nos meses anteriores, negociações promovidas por Trump não avançaram porque nenhum ator desejava assumir a responsabilidade por um desfecho muito abaixo das expectativas alimentadas por defensores da continuação da guerra.

Enquanto isso, o apoio militar e financeiro ocidental atingiu um impasse. Apesar de 19 pacotes de sanções contra Moscovo, o exército russo não só resistiu como ganhou maior capacidade tecnológica. Ao mesmo tempo, Kiev enfrenta fuga ao serviço militar obrigatório, perda de território, degradação da infraestrutura e escassez de recursos. Há receios de que o país fique sem financiamento externo até abril, numa altura em que países como Polónia e Alemanha já demonstram cansaço em continuar a sustentar grandes contingentes de refugiados ucranianos.

O passado que poderia ter mudado o presente

A atual crise contrasta com o cenário de 2019, quando Zelenskyy e Vladimir Putin concordaram, em Paris, num cessar-fogo para o Donbass, congelando a linha de frente e abrindo espaço para uma solução diplomática que hoje seria vista como vantajosa para Kiev. A chegada de Joe Biden à Casa Branca em 2021 alterou drasticamente essa trajetória. Zelenskyy adoptou uma postura de pressão total sobre Moscovo, apoiado por aliados ocidentais, o que culminou na invasão russa de fevereiro de 2022.

Um país esgotado e uma paz imperfeita

Depois de perdas humanas e territoriais profundas — incluindo dezenas de milhares de mortos — Kiev abandonou este ano exigências consideradas irrealistas, como a retirada total russa e indemnizações, e passou a admitir um cessar-fogo baseado nas atuais linhas de combate.

Embora um acordo nos termos da Rússia seja profundamente injusto e contrário ao direito internacional, a alternativa seria continuar uma guerra que ameaça destruir ainda mais a infraestrutura, o território e a identidade nacional da Ucrânia.

A reação interna à possibilidade de um acordo tem sido marcada por apelos patrióticos, declarações desafiadoras e gestos simbólicos — mas não por um plano estratégico viável para alterar a realidade militar no terreno. Nesse contexto, o escândalo de corrupção em torno de Zelenskyy oferece ao Ocidente uma forma de se distanciar das consequências da guerra sem assumir responsabilidade pelas decisões que ajudaram a moldar o conflito.


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