Antigos trabalhadores da RDA continuam sem receber salários retidos e acusam o Estado de falta de transparência

 

Movimento mantém marchas há mais de 20 anos enquanto Governo evita respostas concretas

Mais de três décadas após o regresso da extinta República Democrática Alemã (RDA), milhares de antigos trabalhadores moçambicanos continuam à espera dos salários que, segundo promessas feitas na época, seriam pagos na totalidade após o retorno ao país. Conhecidos como madgermanes, tornaram-se símbolo nacional de resistência e frustração, realizando marchas semanais em Maputo há mais de 20 anos — sem que o Governo ofereça soluções claras.

Promessas incumpridas e sentimento de exclusão

O porta-voz do movimento, Constantino Manuel, afirma que, apesar da falta de respostas, o grupo conseguiu transformar a cultura de reivindicação em Moçambique.

“Ensinámos aos moçambicanos o verdadeiro sentido de exigir os seus direitos através das marchas de rua. Antes dos madgermanes, o povo moçambicano não se manifestava”, disse.

Mas o reconhecimento simbólico não resolve o drama material vivido pelos ex-trabalhadores. Para muitos, como José Cossa, o retorno ao país representou o início de um ciclo de abandono.

“Nós nos sentimos excluídos na sociedade. Quando fomos para a Alemanha, disseram-nos que uma parte do nosso salário seria guardada para recebermos ao regressar. Mas quando voltamos, o dinheiro desapareceu.”

Segundo a associação que reúne cerca de 2.800 membros, o Estado moçambicano desembolsou apenas 60% do valor prometido, mas os montantes não correspondem ao que deveria ter sido pago. Para o movimento, a falta de clareza continua a alimentar suspeitas.

Negociações estagnadas e ausência de explicações oficiais

Este ano, os representantes voltaram a reunir-se com o Ministério do Trabalho, mas o encontro terminou sem avanços.

“Nunca recebemos um ofício a dizer que o caso dos madgermanes estava encerrado”, lamentou Constantino Manuel, criticando a ausência de transparência e a aparente falta de vontade política.

Até hoje, nenhum ministério publicou um relatório oficial detalhando o destino dos fundos transferidos pela RDA para Moçambique durante os anos de cooperação.

A estratégia governamental tem sido descrita pelos trabalhadores como uma “diplomacia do silêncio”, que mantém o impasse e aprofunda o descontentamento.

Alemanha nega responsabilidade financeira, mas debate cresce no Parlamento

De acordo com a Deutsche Welle, o Governo alemão insiste que todas as obrigações financeiras foram cumpridas e que os pagamentos acordados foram transferidos integralmente para o Estado moçambicano.

Contudo, no Parlamento Alemão, alguns deputados têm defendido que Berlim reconheça uma responsabilidade histórica e participe em eventuais compensações — uma posição que o Governo alemão ainda não assumiu oficialmente.

Alice Mabota: a voz que nunca abandonou os manifestantes

A associação dos madgermanes destaca ainda o papel da activista Alice Mabota, antiga presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, que acompanhou o movimento durante anos, mesmo em momentos de maior tensão política.

“Ela é uma heroína”, afirmam os representantes, sublinhando a importância do seu apoio na luta contra o silêncio institucional.

Três décadas de espera e nenhuma solução à vista

Embora o Estado moçambicano reconheça que houve transferências financeiras da RDA, nunca esclareceu como foram geridos os montantes, nem apresentou um cálculo público sobre o que ainda falta pagar — ou a quem os fundos realmente beneficiaram.

Enquanto isso, os madgermanes seguem em marcha.
Todas as quartas-feiras, no centro de Maputo, repetem o mesmo gesto que se tornou tradição e protesto: caminham, cantam e erguem cartazes, insistindo que a dívida histórica ainda não foi saldada.

A luta continua a ser, acima de tudo, por memória, justiça e dignidade.

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