Por: Tércio Nhassengo
Acordei para mais um dia, ainda muito cedo, e permaneci deitado. É verão: o crepúsculo amanhece apressado e o ocaso atrasa-se, deixando mais brilho espalhado pelo dia. Senti-me bem, alinhado comigo mesmo. Peguei o telemóvel para escrever uma dedicatória a um grande amigo que celebrava mais um aniversário. Enquanto escrevia, começaram a chegar bips, chamadas e mensagens – até de pessoas que não me contactavam havia uma boa porrada de anos.
Movido pela curiosidade, interrompi a dedicatória e fui ver o que se passava. Para minha surpresa, todas as mensagens tinham o mesmo refrão: cumprimentos e o inevitável “tudo bem?”. Estranhei. Àquela hora, vindo de quem vinha… algo não estava a bater certo. Mas, inocente, respondi com naturalidade.
Liguei os dados móveis para ver as notícias e, num instante, percebi que tinha sido mencionado várias vezes no Facebook. Raro! Segui o rasto da curiosidade. O choque veio num segundo: um post com fundo negro, emojis de choro e… eu mencionado como morto.
Havia uma catrefada de comentários: lamentos, pêsames, especulações (“estava doente”, diziam). Fiquei embasbacado. Não estava a entender rigorosamente nada. Aos poucos, porém, fez-se luz: quem me enviara mensagens durante a madrugada estava, afinal, a sondar-me. Só não tiveram coragem para abordar o assunto directamente. Não os culpo — a morte é frágil, delicada e cruel de lidar.
Corri para alguns grupos de WhatsApp, sobretudo os da malta da urbe onde cresci. Lá estavam a discutir o assunto com grande alvoroço. Concluí a dedicatória ao aniversariante — respondendo-lhe em menos de dez minutos — e, logo depois, escrevi um esclarecimento público no Facebook: era FAKE NEWS, eu estava vivo, bem vivo, e “ainda não tinha batido as botas”. No meu Estado do WhatsApp, deixei uma nota mais íntima: falsa informação, tudo sob controlo.
Com o avançar das horas, a poeira foi assentando, mas o trabalho para esclarecer um por um continuou. Foi um dia longo. No meio do espanto, mantive a tranquilidade. Quanto à origem da mentira, já pouco importa. O que realmente me ocupou foi a reflexão: que prazer encontra o ser humano em espalhar inverdades tão sensíveis?
Entre as minhas irmãs, uma entrou em prantos, nervosa, revoltada. Houve quem confessasse que não conseguiu concentrar-se no trabalho, dizendo — em tom sarcástico — que iria “sacudir-me” até eu “ressuscitar”. A morte é certa, mas nunca estamos preparados para ela; por isso o choque, a comoção… somos humanos.
Já à noite, um amigo não perdeu a oportunidade de zombar:
— “Afinal, como é lá no céu? Viste Abraão?”
Respondi-lhe no mesmo tom:
— “Essa bênção de trabalhares ali perto do Gungu está a apurar o teu humor, né? Quanto a Abraão, não consegui reconhecê-lo. Estavam lá muitos velhotes de barba branca: Abraão, Isaac, Jacó, Moisés (esse reconheci pelo bastão), Elias, Jó e companhia. Uma verdadeira constelação! Mandaram-me voltar e disseram: ‘SAI DAQUI E VOLTA LÁ PARA BAIXO E CONTINUA A ESCREVER AS TUAS CENAS.’”
Outro amigo brincou com o suposto “fundo de solidariedade” que teria sido aberto em meu nome. Gargalhadas… Transformar o delicado em leve é uma arte necessária.Ah, antes que me esqueça: o título deste texto também nasceu daquela manhã surreal. Num grupo de WhatsApp, alguém escreveu:
— “O falecido está aqui!”
E eu, prontamente:
— VOLTEI PARA VOS ASSOMBRAR!
Foi uma experiência e tanto. Por uma questão de tacto, deixei de fora algumas situações que surgiram no calor do não-ocorrido. Serão abordadas noutro momento.
E mais direi ainda…
Por: Tércio Nhassengo – tercionhassengo17@gmail.com


Postar um comentário
Postar um comentário